Histórias de Moradores de Caçapava

Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores da Cidade e Caçapava.

História do Morador: Francisco Adilson Natali
Local: São Paulo
Publicado em: 11/03/2004

História: Comerciante e Prefeito


Sinopse:

Infância e juventude em Caçapava. Atividades comerciais do pai, Chiquinho Natali. Início no comércio. Fundação da primeira loja de eletrodomésticos do Vale do Paraíba. Descrição de Caçapava. Atividades políticas. Atividades atuais como prefeito da cidade.

História

IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Francisco Adilson Natali. Nasci em 15 de fevereiro de 1939, na cidade de Caçapava, no estado de São Paulo.

FAMÍLIA
Meus pais são José Francisco Natali e Neli Nantes Natali. Meus avós, Giuseppe Natali e Lúcia Povarini Natali. Meus avós vieram da Itália, no vapor San Gotardo, em 1894. Vieram de Rovigo, na Itália, até Santos.

Depois subiram até São Paulo, e aí chegaram até Caçapava. Acho que as coisas começaram a criar corpo com a chegada deles aqui. Embora, logicamente, já tenha havido alguma troca de correspondência e isso tenha permitido algumas novidades, alguns conhecimentos, alguns contatos para que eles pudessem vir para Caçapava. Que era um pólo cafeeiro, na época. Acho que eles preferiram ficar em Caçapava. Meus avós eram agricultores. Meu pai já nasceu aqui. Meus avós vieram da Itália com uma das irmãs do meu pai, que chamava-se Regina. Essa veio ainda menina. Passou por aquelas intempéries da viagem, aquele problema da febre e tal, mas conseguiu se safar. Depois, os outros nasceram em Caçapava. O derradeiro é o meu pai. Eram três irmãs e dois irmãos: Joaquim, José e Pedro; Regina, Maria e Elvira. Meu pai sempre foi comerciante. Ele é de 1901, então 1925 mais ou menos ele já, garoto, ele já comerciava. Nas estradas.

Porque na época tinha muita dificuldade. As cidades aqui, a maior da época, era Taubaté. E Caçapava, muito próxima e vizinha, não tinha um desenvolvimento como tem hoje, essa facilidade que tem. Então ele tinha as vendas, como eram chamadas, os armazéns - os comércios da época eram considerados vendas, chamavam vendas - e ele comerciou durante muito tempo ali nas estradas, com carrinho, com banca na beira da estrada, enfim. Até que ele prosperou e depois veio para a cidade, onde ele trabalhou como empregado. Depois ele foi sócio de algumas pessoas que tinham uma certa influência na época e montou o seu próprio ramo de negócio.

Ele trabalhou com cereais, trabalhou com varejo, trabalhou com atacado. Trabalhou com combustíveis, com bebidas, trabalhou depois com distribuição de adubos e produtos químicos. Aí passou para uma máquina de beneficiar arroz e moinho, ou engenho, de fubá. Que era o produto do milho, que era canjica, canjiquinha, quirela, farelo e a própria canjica branca. E sempre com comércio junto, paralelo. Ele comerciava nas estradas de roça. Estrada rural. Essa estrada que liga os bairros de Roseira, Roseirinha, bairro do Pinheirinho, Marambaia: nessas regiões é que ele comercializava os produtos, ali. Mexeu muito com produto da região ali. Tenho duas irmãs mais velhas. Tenho Selma e Marli, eu, depois dois irmãos: Brasil e Eduardo.

EDUCAÇÃO
Cresci em Caçapava. Estudei aqui [em] 49. Depois eu fui para Lorena e estudei no Colégio São Joaquim. Mais à frente, estudei no Nogueira da Gama, em Guaratinguetá. E depois vim para Caçapava, fiz a escola de comércio, que era Escola Técnica de Comércio. Depois eu fiz vários cursos e me formei em direito.

CIDADES
Caçapava Vou dizer que Caçapava cresceu nos meu governos. Mas, na verdade, a gente quando pegou a cidade, ela tinha aproximadamente 37 mil habitantes. Hoje nós temos quase 110 mil. Eu fui prefeito de 1983 até 88, depois a segunda vez, de 93 a 96. E agora, de 2001 até 2004, se Deus quiser.

INFÂNCIA
Quando eu era criança tinha a estrada de ferro. A estrada começou junto da cidade - porque nós éramos parte da cidade de Taubaté, Caçapava velha pertencia a Taubaté. E dali saíam as Bandeiras. Nós tivemos núcleos de bandeirantes, tivemos um aforamento, que foram terras doadas para a santa Nossa Senhora da Ajuda, na época. Porque era costume: quando uma pessoa não tinha filhos, legava para a igreja ou para o santo. Então existem terras hoje, de Caçapava velha, e com uma divisão política que houve na época, e com o advento da estrada de ferro, a população se deslocou para onde é hoje a cidade de Caçapava. Caçapava está distante de Caçapava velha, aproximadamente oito quilômetros.

VALE DO PARAÍBA
Caçapava chegou a ter um lugar de destaque no comércio porque fazia... Nós tínhamos estrada para São José dos Campos, Taubaté, Buquira, Buquirinha. Era fácil o acesso para a cidade de Jambeiro, que logo após alcançar Jambeiro, conseguiria chegar a Paraibuna e conseqüentemente a Caraguatatuba e São Sebastião. Ubatuba, da nossa época de garoto, ainda não tinha ligação com Caraguatatuba. Ela passou a ter uma ligação depois de muito tempo, mesmo na nossa infância.

CIDADES
Litoral Fazíamos passeios à praia. A estrada era de terra. Tinha uma cachoeira, logo no alto da serra. E tinha uma mesa de pedra onde as pessoas faziam lanche. Porque a visitação à cidade de Caraguatatuba era uma epopéia: você tinha que sair cedo, levar o frango assado, o frango com farofa, enfim, tinha que ir preparado para as coisas que acontecessem. Porque se chovesse, seria difícil alcançar a praia no espaço programado. Ia de carro. Ford 29, às vezes alugado. Ia a família toda. A mãe e todos os irmãos. Nós passávamos uma temporada. Caraguatatuba tinha algumas pensões, tinha o hotel, onde nós ficávamos - que a gente tem uma grata recordação - que é o hotel da dona Binoca. Que é famoso lá, na época. E durou aí muito tempo. Depois a cidade se desenvolveu. Com a pavimentação da cidade, no tempo do presidente Jânio Quadros, a coisa andou bastante. Levava aí umas três horas de viagem.

TRANSPORTE
O trem... Antes da rodovia Presidente Dutra a estrada era essa que hoje é chamada SP-63, a Rio - São Paulo. Nós temos lá a Rio - São Paulo, temos essa do Dom Pedro e temos a Dutra. Hoje, Carvalho Pinto também. Mas a estrada de ferro era o acesso mais rápido e seguro para as pessoas que tentavam alcançar a capital, dada a dificuldade. Porque quando chovia, aquele caminhão ou as caminhonetes que tinham na época, encravavam ali nos atoleiros - porque eram estradas de terra. E a estrada de ferro, chovesse ou fizesse sol, ela mantinha-se da mesma maneira. E vários comerciantes, na época em que eu era garoto, viajavam de trem para fazer compra em São Paulo. Depois voltavam, à noite, no famoso Expressinho.

COMÉRCIO
O meu pai também. Ele ia de trem. Ele teve armazém, teve vários pontos comerciais. Ele teve uma loja de eletrodomésticos, que ele fundou, que se chamava A Mascote. Depois o comércio maior dele foi a máquina de beneficiar fubá, moinho de fubá. Era na rua Marechal Deodoro. E ali foi o ponto alto, do primeiro tempo. No segundo tempo ele veio, construiu um prédio ali, que tem até hoje, o prédio de três pavimentos onde ele montou a Eletrolar. Teve lojas em Taubaté e teve duas em São José dos Campos, concomitantemente. Na época da Revolução de 32, ele estava na ponte do Paraíba. Chamava-se Armazém da Ponte. Esse armazém era pertinho da estrada de ferro. Já em 1950 ele fundou, juntamente com mais três pessoas, se não me engano, um cinema em São José dos Campos, que é o Cine Santana. Hoje está tombado pela prefeitura como patrimônio histórico de São José. Depois, ele passou a trabalhar com eletrodomésticos.

JUVENTUDE
Tinha baile em Caçapava, em São José, Pinda, Guaratinguetá, Cruzeiro, Jacareí. Nós íamos de carro. Às vezes de trem. Tinha um grupo de amigos. Éramos contemporâneos, o pessoal de ginásio, o pessoal de comércio. Sempre tem - o que o pessoal fala “patota”, hoje - tem aquela ligação, aquela turma. Então as pessoas da mesma idade, ou diferença de um ou dois anos para frente e para a trás, tinha a turminha. Mas a coisa era mais disciplinada, mais respeitada e mais vivida do que as coisas que a gente sente hoje. O baile era a rigor, só. Ou então de terno e gravata. Comprava o terno, a gravata, em Caçapava, às vezes São Paulo.

EDUCAÇÃO
Eu sou de 39. Em 1951 eu já estudava interno. Quando se é interno, dá uma abrangência, dá uma abertura muito grande, a gente aprende muita coisa. Porque você fica interno, confinado. É como se fosse uma concentração futebolística: o time que vai jogar amanhã já se concentra hoje. Então a gente fica 24 horas por dia com uma gama de amigos. Ali que a gente vai se integrando no conhecimento e nas coisas do mundo. Aprende coisa boa e coisa ruim também. Colégio São Joaquim, em Lorena. Na época, eu não sei se modismo ou interesse cultural, porque na época não existiam muitos colégios, não existia muita cultura. Então como o meu pai era um cidadão abastado já há muito tempo, ele quis possibilitar que os filhos estudassem e se formassem. E para isso ofereceu um estudo de primeira qualidade. Os filhos, os três homens estudaram em colégio interno. As duas moças estudaram num colégio de freiras em Campinas. Estudaram no Bom Conselho de Taubaté e se formaram depois, em Caçapava. Mas no período de abundância nós tivemos oportunidade de, pelo menos, fazer a base da educação pelos colégios.

Colégio de padre se fala em latim, desde cedo até de noite. Se reza muito, se vai muito à igreja e se estuda bastante. Eu acho que valeram muito esses anos que a gente esteve no colégio interno. Essa base que a gente teve na cidade de Guaratinguetá também, onde nós estivemos no Colégio Nogueira da Gama. Então eu acho que serve, aí, de alicerce para que a gente continuasse os estudos. Porém as coisas mudam, os nossos destino sentem algumas modificações. E quis o destino que eu fosse comerciante também. Então desde garoto aficionado pelo automobilismo e pelas coisas da indústria, eu fiquei com meu pai. Desde 1949, com dez anos eu já estava trabalhando.

COMÉRCIO
Trabalhei 35 anos com meu pai. Eu era muito responsável e ele muito exigente. Mas valeu, foi uma escola, foi um aprendizado. Como filho, a gente tem algumas vantagens e algumas desvantagens: era mais exigente porque eu era filho, tinha que fazer as coisas com mais perfeição. E por outro lado, não tinha muitos direitos não, porque os direitos, logicamente, eram para aqueles que eram funcionários. Mas eu aprendi muito, ganhei muito, eu acho que devo parte de minha vida, das coisas que fiz e que ganhei a ele.

TRABALHO
Meu primeiro trabalho foi logo que eu me dei por interesse do comércio. Por interesse, eu não sei se pela vontade de andar em caminhão, que eu comecei a trabalhar. Ajudava a descarregar, carregar e assim por diante. Depois eu engarrafei vinho, engarrafei aguardente - o pessoal fala envasar hoje - , mas no nosso tempo era garrafa de vinho. E vendi muito querosene, muita gasolina. E mexia com a máquina de beneficiar arroz, algumas coisas a gente fazia na máquina e outras não. Pela idade a gente não tinha condições de fazer a ligação de movimento da máquina, a gente não podia fazer. Mas o moinho de fubá, canjica e outros a gente trabalhava bastante.

COMÉRCIO
Nós tivemos atacado. De Caçapava a gente lembra de quase todos. Rua por rua, nome por nome da cidade toda. Porque desde essa época a gente andava nas ruas da cidade vendendo. Porque o meu pai dava uma lista de produtos que tinha no atacado e a gente saía vendendo. Principalmente bebidas da Antarctica - que nós fomos vendedores durante muito tempo. Eu delineio, se precisar fazer uma lista, de quase todas as pessoas que eu vendia. A maioria, eu lembro ainda de quase todos. Pessoas muito importantes. A maioria, infelizmente, já faleceu. Nós éramos distribuidores pesados. Vendíamos desde Barra Mansa até Suzano, Mogi das Cruzes, Itaquaquecetuba.

TRANSPORTE
Transporte era transporte rodoviário. Nós tínhamos uma empresa de transporte, também. E papai teve, além da empresa de transporte, teve uma construtora. Então isso facilitava bastante. É dito até que quem tem um olho em uma cidade que não tem nada é rei. Então ele teve um conhecimento bom. Ele se preparou durante muito tempo no comércio, foi muito honesto durante muito tempo, a vida toda. Então com isso ele ganhou um know-how, um conhecimento e uma credibilidade que nós, hoje, desfrutamos disso, do nome, da tradição que a gente tem na nossa terra, no Vale, no estado de São Paulo. Todas as praças eram boas. Nós vendíamos muito em Cruzeiro, vendíamos bastante em Guaratinguetá - Aparecida não era tão grande - , São José dos Campos. O comércio de Caçapava era melhor que o de São José dos Campos, na época, Campos do Jordão e outros. Isso nos anos 50, 60.

CIDADES
Caçapava Existia o batalhão do Exército, em Caçapava, desde 1918. Isso movimentava a cidade porque, na época, as cidades não tinham tantos recursos, a industrialização ainda não tinha chegado aqui. Com a vinda da General Motors e da Johnson, e de algumas outras indústrias, a COCTA, depois ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica], depois CTA [Centro Técnico Aeroespacial], Embraer, a coisa deslanchou. A Ericsson também possibilitou enriquecimento bastante para São José. Mas isso, naquela época, não tinha. A coisa começou a explodir, na verdade, foi na época da rodovia Presidente Dutra. Então existe antes da Dutra e depois da Dutra. A Dutra, além de ser um excelente corredor de transportes, ela foi um integralizador de sucesso e desenvolvimento para o estado de São Paulo, e para o Brasil. Nós temos o estado do Rio de Janeiro e o estado de São Paulo pela Dutra, une dois grandes estados. Na época ainda uma pista só, sem acostamento, quando foi inaugurada. A coisa melhorou muito depois. Mas foi feito uma aproximação entre as cidades.

TRANSPORTE
Eu lembro uma corrida que houve, quando o Chico Landi foi corredor de baratinha, de automóvel. Ele, o João Manuel Fangio e mais outros que vieram e fizeram praticamente a inauguração da estrada. Isso se deu por volta de 51. A inauguração foi em alguns lugares. Porque são trezentos a quatrocentos quilômetros de estrada. Passou uma caravana, passou, porque eram quatrocentos quilômetros. Então seria difícil fazer uma inauguração em cada cidade. O trecho mais complicado que houve, que eu tenho lembrança, na época, foi aqui em frente à Volkswagen, em Taubaté. Porque tinha um lugar lá que cada vez que chovia carregava a estrada, e caía carro lá de montão. É o passagem do Guaçaí, que eles falam. Então isso, a gente como garoto, ouvia falar: “Olha, aconteceu um acidente, caiu um carro lá porque a estrada rodou”. Então isso é famoso. Agora, como elemento integralizador foi a Dutra, para nós aqui. Eu acho que a Dutra deve ter sido um elemento de maior importância na época. E que nós estamos obtendo os resultados agora.

COMÉRCIO
Todo negócio tem dois lados: tem muita gente que ganhou muito dinheiro com supermercado. E tem algumas pessoas que perderam tudo com supermercado, com farmácia e com outros. Com marcenaria, carpintaria, depósito de material de construção. Então, além da sorte, depende da qualidade, da capacidade de trabalho, do modo que a pessoa comercializa, do preparo que a pessoa tem. Porque em todo lugar tem ossos e tem espinhos. Todo caminho tem espinhos. A Mascote, eu lembro, distribuíamos máquina de costura. Na época, se falava em Pfaff e se falava muito em Singer. Aí nós importamos uma quantidade imensa de máquina de costura Crosley. E isso tinha que montar e pôr à venda. Depois vieram as marcas como Vigorelli, Leonan, e outras tantas que tem aí. Nós vendíamos bicicletas, Gorik. Depois chegamos a vender fogões com gás de querosene. Toda hora do almoço, recendia aquele cheiro de querosene. Aí mais para frente, isso por volta de 55, 54, quando chegou o gás - que o gás engarrafado, GLP, ele já foi em 56, 55, 56, gás líquido de petróleo, que é esse de botijão - a primeira marca que a gente trabalhou foi a Liquigás. Era um tambor comprido de dez quilos e que tinha uma borboleta que a gente tinha que ter uma chave para trocar o tambor. Hoje não, hoje é mais fácil. Vendemos muitos fogões. Inclusive hoje, eu estive conversando com uma pessoa que comprou um fogão nosso, sem que a mulher soubesse. E eu fui entregar o fogão. Cheguei na casa, a mulher não quis que descarregasse o fogão: “Não, não, o meu marido não comprou de maneira nenhuma. Ele não tem dinheiro, não pode comprar. Não comprou”. Ele trabalhava na Usina Vigor, em Caçapava, que era uma cooperativa de leite.

E aí a gente foi conversando, conversando, explicamos à ela que ele tinha comprado, na época que começava a surgir as prestações. Porque a pessoa comprava para pagar em dez meses, ou doze meses. Ela deixou descarregar o fogão mas pediu para voltar à tarde, para pegar de volta. Aí o marido chegou e acomodou a situação. Não era caro, mas na época, a dificuldade... As cidades que tinham uma folha de pagamento constante e certa se desenvolveram. É o caso de Lorena, é o caso de Pindamonhangaba, o caso de Caçapava e outras que nós temos por aí. Porque todo mês era certo aquele, aquela folha de pagamento que distribuía dali àquelas famílias e àqueles soldados, aquilo era uma fonte de renda para a cidade. E durante muito tempo a cidade dependeu desse favorecimento. Então depois veio a industrialização. E nessa industrialização, até hoje, logicamente, as cidades que têm mais indústrias têm mais potencial de pagamento.

Ela tem uma carta mais forte através dos impostos. O eletrodoméstico, concentramos só em Caçapava. Claro que alguma vez saía uma geladeira para Caraguatatuba, uma para Jacareí etc. Depois nós montamos uma outra loja aqui em Taubaté e depois duas em São José. E as mercadorias chegavam por transportadora e eram distribuídas nas lojas, e logicamente entregues à população através do crediário. Nós fizemos parte desse processo do crediário. Já a partir de 57 deslanchou. Já havia o surto da industrialização no estado de São Paulo. Aí já tinham as máquinas, as geladeiras. Já era completo, os móveis já vinham montados. Passou por um processo de velocidade. A gente acredita que essa venda de eletrodoméstico, a partir de 58, ela teve um desenvolvimento muito grande. Uma coqueluche. Isso já na Eletrolar. A Mascote funcionou por volta de 50 e pouco. A Eletrolar foi fundada em 1957. Nós tínhamos crediário próprio.

Meu pai tinha fazenda de gado, tinha fazenda de eucalipto. Não uma, mas ele tinha várias. Então a diversificação, tanto no campo imobiliário como no campo de investimento e agropecuário, possibilitou a ele alcançar o que ele tem hoje. E a gente foi beneficiado também, porque a gente fazia parte desse processo. Meu pai foi um mestre. Aprendemos muita coisa com ele. As lojas eram iguais. Trabalhavam com os mesmos produtos. Nós trabalhávamos com colchões, colchões da Probel, móveis luís-quinze, que era o sofá-cama. Quando saiu o sofá-cama, em 57, 58, o que se vendou de sofá-cama não estava escrito em gibi nenhum: tinha fila esperando. Porque não existia isso, antes era cama patente e só. Depois começou o sofá-cama, depois começou o conjunto de sofá-cama - sofá e duas poltronas - , sofá-cama e duas poltronas laterais que não eram cama.

E eram coqueluche. Como foi coqueluche a geladeira, a máquina de lavar roupa, a máquina de costura. Não tinha uma casa que não tivesse uma máquina de costura, isso em qualquer cidade. Hoje, agora, com esse comércio de roupas feitas parece que complicou. Mas mesmo assim existem muitas máquinas. Nas lojas tinha o gerente, tinha a escrituraria, o caixa. E dependendo do volume de venda, tinha um, dois, três, quatro vendedores. A cidade que mais vendia no começo era Caçapava mesmo. Depois em Taubaté, nós abrimos a loja em Taubaté, que foi aqui na rua Sacramento, depois rua Marques do Herval. Aí nós abrimos as lojas na rua Quinze de Novembro, 121, depois 132, na cidade de São José dos Campos. São José vendeu mais do que as duas cidades juntas. Porque nós pegamos o boom de desenvolvimento, a “mineirização” de São José dos Campos.

Porque hoje tem mais mineiros em São José do que o próprio joseense ou valeparaibano. O percentual de mineiros que tem em São José dos Campos é muito grande, e isso dado a disposição de trabalho deles, a cultura, a técnica, a educação desenvolveu São José. Taubaté sempre foi a cidade mais importante do Vale, naquela época. Nós tínhamos aqui a Casa Cabral, que tinha elevadores já em 1940 e poucos. Era considerada loja de departamento. Tinha um andar que era só roupa, um andar que era só brinquedo, e assim por diante. Taubaté teve um comércio maior do que o de São José dos Campos e o de Caçapava. Depois, dado a esse desenvolvimento, São José dos Campos era considerado um eldorado, quer dizer: todo mundo que queria ganhar dinheiro, queria ficar rico, vinha para São José dos Campos. Então explodiu a cidade.

VALE DO PARAÍBA
Na verdade, foi de 65 a 75 que houve essa explosão. São José dos Campos foi muito privilegiada pela situação cartográfica e geográfica.

A topografia de São José dos Campos é perfeita, tem condições de abrigar qualquer tipo de coisa. Se você falar hoje: “Vou montar uma Disney World em São José dos Campos”, tem condições de fazer isso. A situação topográfica de São José ajuda muito. E, logicamente, tem alguns fatores de saúde também que colaboraram bastante para que São José se desenvolvesse depois. Existia, primeiro, uma retenção de progresso, motivada por alguns fatores de saúde - tanto para São José como para Campos do Jordão. As pessoas não se predispunham a visitar São José dos Campos ou Campos do Jordão, e quando o faziam, faziam com alguma reserva. O comércio não era pujante como é hoje. O pessoal parava ali já meio..., querendo já sair. Quer dizer, chegava já querendo ir embora. E, na verdade, não tinha nada a ver. A própria cultura do povo, depois, foi melhorando.

COMÉRCIO
A Eletrolar, em Caçapava, de 57 a 61, nós tivemos na praça da Bandeira, próximo ao Cine Brasil. Um cinema que existia lá, na época. Depois, em 61, na época da renúncia do Jânio Quadros, nós transferimos essa loja para esse prédio de três pavimentos, construído pelo meu pai. Daí de 61 até 65, nós estivemos com loja em Taubaté. Ano seguinte, nós já começávamos em São José dos Campos. Final de 65 começo de 66. Ficaram até 73. Em 73 papai resolveu diversificar o emprego do dinheiro que ele tinha, então ele adquiriu alguns imóveis, comprou fazendas, começou com gado, começou com plantação de eucalipto. Porque a velocidade de venda naquele ano já começava a cair, em função do próprio modismo. Nós resolvemos centralizar. Aí logicamente ele vendeu as propriedades. As lojas que nós tínhamos em outras cidades, ele vendeu. Obteve um lucro relativamente bom e que compensava mais vender do que continuar. Vendeu para uma empresa do Vale. Todas elas, menos Caçapava. Caçapava nós continuamos lá, ainda durante muito tempo. Continuamos.

Aí era móveis, eletrodoméstico e alguma coisa. Nós ficamos com a loja, eu acho que mais uns dez anos, por aí. O eletrodoméstico foi um modismo dos anos 60. Porque na época, quem não tinha geladeira, comprava geladeira; sofá-cama, sofá-cama, então essas coisas. E quem, logicamente, se beneficia disso, e tem a sorte de se envolver em um processo desse de venda, corre o risco de ficar rico. Ou o caso do carnezinho. Vamos dizer, de 55 para cá, a pessoa para comprar um produto com esse financiamento, a coisa prosperou, deu oportunidade para mais pessoas, e uma condição de saúde. Porque a geladeira substituiu a gordura de porco, que era colocada a carne lá dentro dessa vasilha e jogava uma gordura. Aquilo ficava, funcionava como geladeira. E depois saiu o fogão a gás, como era o fogão elétrico, o fogão a carvão.

O fogão a gás de querosene, o fogão a gasolina, fogão a gás e assim por diante. É o modernismo. As coisas vão se modernizando. Na época fez a estrada velha, que era a estrada de terra. Se falava: “Olha, passou um automóvel aí a sessenta quilômetros por hora”. Sessenta quilômetros era para nós, garotos, era uma fábula: “Pô, o carro andou sessenta quilômetros”. Hoje eu acho que se andar a sessenta quilômetros a gente vai receber uma porção de adjetivo na estrada. O sindicato do Comércio é uma coisa nova aí. A Associação já é antiga. A Associação Comercial e Industrial de Caçapava já existia. Papai participou, foi sócio lá, foi colaborador durante muito tempo. Ele participou de várias coisas da comunidade, da sociedade. Foi fundador de instituições. Então foi uma pessoa que viveu intensamente na sua cidade, na sua família, no seu comércio. Ele, no comércio, tocou os sete instrumentos, porque ele mexeu com posto de gasolina, com cinema, com engarrafamento de vinho, de pinga, de álcool. Trabalhou com petróleo, trabalhou com transporte, quer dizer: teve uma gama de coisas, dado a criatividade. Teve bar, teve restaurante.

Então essas coisas todas formam um mundo. E a gente aprendeu muito, porque a gente está sempre envolvido ali, segurando na barra da calça, mas está participando de tudo. Pelo menos visualizando e aprendendo. Então essa afetividade que o meu pai transmitiu pelas coisas que ele aprendeu e nos ensinou, a gente carrega até hoje. A gente está sempre aprendendo. E o comerciante tem uma gama... Porque ele conversa mais, com mais pessoas, durante o dia, então às vezes ele ensina, às vezes ele aprende. E o objetivo do comerciante, além da satisfação do cliente, do freguês, do comprador, ele tem logicamente o lucro. E aquilo é envolvente, é apaixonante. A pessoa ganha, fica enriquecido intimamente. E vai aprendendo. Então é uma paixão. É o dito popular: “quem faz aquilo que gosta faz melhor”.

INFÂNCIA
Quando eu era garoto, nós íamos a São Paulo fazer algumas compras. Eu me lembro que eu ganhava alguns terninhos de calça curta, que era comprado naquela Casa José Silva. E que minha mãe comprava, e eu ganhava, um estojo para levar na escola. Isso eu não esqueci mais.

CIDADES
Caçapava Em Caçapava o comércio era forte. Nós tínhamos a Cerealista Brasil, nossa. Trabalhamos com outros mercados, e tudo. E eu cheguei a vender sabão na porta quando era garotinho, para aprender. Papai queria que a gente ficasse rápido de raciocínio para vender, para aprender, para atender as pessoas, para ter um contato com a população. E a gente percebeu que nessas idas que nós tínhamos a São Paulo, cada vez que a gente ia lá - embora a cidade ainda pequena - , mas a gente percebia o desenvolvimento da cidade. Percebia que a cidade estava caminhando. E Caçapava não era diferente das outras. Ela também, à medida que foi crescendo o mercado de alimentação, o abastecimento da cidade... vai acompanhando os passos de desenvolvimento. Lojas de tecidos, tivemos A Brasileira. Tivemos a Lojas Teci, tivemos a Casas Farat. Tivemos a loja Cisne. E outras.

RELAÇÃO COM O COMÉRCIO
Faço compras. Eu mesmo que vou ao supermercado. Faço também minhas compras pessoais, roupas, essas coisas. Gosto. Eu adoro supermercado.

CASAMENTO
Casei em 65. Namorei dez anos. Eu conheci minha esposa... ela era noiva. Teve um trabalhão. Mas eu consegui pegá-la. Eu tive que conquistá-la primeiro. Namoro, a gente começa de repente. Depois, com a continuidade dos olhos, da observação, a gente vai gostando ou não. Vai brotando o interesse. E depois desse interesse, que levou uns três anos mais ou menos, eu a namorei durante dez anos. O casamento foi em Caçapava. Foi bonito. A Elenice, na época, fez o enxoval comprando as peças em Caçapava. Naquele tempo, tinha os malões, aquela canastra, porque o pessoal fazia enxoval durante anos, ia comprando as peças e tudo. Hoje, a coisa ficou diferente, porque primeiro, as coisas mudam hoje muito rápido, os costumes mudam. Então aquilo que hoje está na moda, daqui a dois, três, quatro anos não está mais. Está fora de moda. E existe aquele trabalho artesanal que hoje existe, mas muito pouco. Que é a parte de acabamento da roupa, do bordado etc.

FAMÍLIA
Eu casei em 65. Do casamento eu tenho três filhos. Tem um, que é o mais velho, José Francisco, formado em oceanologia. Se formou, fez mestrado, fez extensão, preparou tese para doutorado e hoje passou para o quarto ano de medicina. Não quis, na época, não ofereceu muita possibilidade para ele, na oceanologia. Tenho a menina, que é fonoaudióloga, casada com um oficial da Marinha. E tenho o caçula, que se formou, fez o segundo grau. Ia entrar na faculdade mas resolveu ser piloto de helicóptero. Está fazendo um curso no Campo de Marte, deve se formar ano que vem.

AVALIAÇÃO
Entrevista Acho muito bom esse projeto, porque isso vai botar um interesse muito grande das pessoas, dos estudiosos, das pessoas que querem aprender e têm interesse pela história. Isso é uma cachaça, querer saber as coisas.

É mais ou menos aquela pessoa que coleciona: então o colecionador, o cego, a pessoa que ama e a pessoa que gosta tem mais visão e mais sensibilidade do que as outras pessoas. O cego consegue detectar filigrana de uma nota ou de um selo - que a gente não consegue - , mesmo sem olhar, ele percebe aquilo. E a pessoa que ama, olha com outros olhos, com olhos de observador. Das coisas que estão... A delicadeza, o verniz das coisas. E o colecionador é a pessoa que tem, além de uma afeição pelas coisas, pela arquitetura, ele tem também uma profundidade de experiência. Ele pega... Eu sempre digo que existem vários martelos: cada um para bater um tipo de prego. Nós não podemos, de maneira nenhuma, bater um martelo para colocar um vidro em um automóvel - que é colocado com martelo de borracha - , com martelo de ferro, senão a gente quebra o vidro. E um preguinho que nós vamos colocar em um quadro, em uma gravura, tem que ser um martelo especial, tem que ser um martelinho muito fino etc. Existe uma diferença muito grande. Eu não consigo detectar mas existe.

O marceneiro é aquele que faz isso. O carpinteiro é aquele que faz o telhado. Então se nós colocarmos um cara que faz o telhado para fazer esse móvel, vai ser um desastre. E se nós colocarmos esse para fazer o telhado, vai ser um desastre também. Porque ele vai querer moldar aquilo de maneira do embelezamento. A gente está junto há tanto tempo, e esses filhos são nossos. Nós temos tido muita felicidade. A gente tem até medo de ficar falando isso porque a gente sai aí na rua, está arriscado a ter um mal súbito. Mas nós fomos muito felizes. Somos. E existe uma coisa que infelizmente está acontecendo, que é a desintegração da família. Porque à medida que o tempo passa, não sei se por modismo ou por sei lá, por vaidade ou por outros interesses, a coisa está complicando. E, à medida que passa, a velocidade é maior.

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